quinta-feira, outubro 08, 2009

Censura não

Tem uma frase que eu adoro e que retrata bem algumas situações na vida de um jornalista é aquela que fala: "não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizeres". Não sei se é exatamente assim, tampouco lembro o autor, ainda assim compartilho da ideia da liberdade de expressão. Apesar de estarmos vivendo sob uma democracia, pelo menos este é o nome dado ao regime de governo que vivemos, mas que em muitos lugares ainda se rege pela lei do cabresto e do coronelismo, existe na grande maioria das redações a censura. É por isto que meu trabalho de conclusão de curso foi sobre este tema, porque sei que ela existe, velada, disfarçada, se fazendo por outros motivos e não imposta ou talvez imposta pelo governo, mas... como sabemos viva, pronta para atacar, principalmente os idealistas. E foi esta censura que ceifou (por enquanto é claro) a carreira de colunista de opinião do meu grande e caro amigo Aleksander Aguillar. Eu já falei dele outras vezes aqui no blog e linquei assuntos como a crise em Honduras com o blog dele. Pois não é que em sua segunda coluna ele fez uma crítica, muito bem construída e trabalhada com pitadas de ironia sobre a posse do novo Bispo de Pelotas, Dom Jacinto, que assumiu recentemente a diocese daqui. Não há no texto qualquer agressão a pessoa do bispo ou algo que desabone seu trabalho, mas há sim um crítica forte e bem feita sobre como funciona a diocese, até onde vai seu braço e o quanto a coisa continua parecida com o tempo em que as decisões políticas de um reino não eram tomadas apenas pelo rei. A coluna deveria ter sido publicada no Diário Popular de Pelotas, mas de acordo com o argumento utilizado para justificar a não publicação o texto está em desacordo com a linha editorial do jornal.
Enfim, leiam o texto escrito pelo Aleksander e tirem suas próprias conclusões.
"O novo bispo mete os pés no barro!
Por Aleksander Aguilar
Dez estátuas de mártires cristãos do século XX conformam a chamada Galeria dos Mártires que adornam a fachada oeste da abadia de Westminster, aquela mencionada no famoso livrinho de Dan Brown, em Londres. Está bem em frente ao Parlamento, onde fica também aquele relógio conhecido como Big Ben (que na verdade é o apelido do sino da torre, não do relógio). Justo ao lado da estátua de Martin Luther King está a do quarto arcebispo da república de El Salvador, Monseñor Óscar Romero. Homenagem a um bispo que entregou vida e morte em defesa dos direitos humanos e que, como muitos outros bispos, teve muita influência política. A de Romero (tema para outro artigo) foi tamanha que ajudou a conformar o destino do país nos anos 80. Ao longo dos séculos, seja no império Carolíngio medieval ou na América Central contemporânea, os bispos têm poder e em Pelotas a regra não é exceção.
Alguns setores da cidade, os que pertencem ou se relacionam com o poder, aguardaram e receberam a notícia de um novo bispo para a unidade administrativa católica local com a ansiedade de um adolescente planejando sua primeira vez. Especulações sobre o futuro da diocese, da universidade, entrevistas “em primeira mão” com os atores envolvidos, todo um fuzuê. É um novo bispo, e numa cidade onde em várias circunstâncias o ditado popular “vá se queixar ao bispo” tem valor literal, a mudança desse que, stricto sensu, é apenas o funcionário de uma organização religiosa tem peso de novo governo em processo de instalação.
Justiça seja feita, o provincianismo nesse caso não é culpa de Pelotas. Prova cabal e atualizada do poder dos bispos é o vizinho Paraguai, cujo presidente recém-eleito, Fernando Lugo, é um bispo que deixou o sacerdócio em 2007 para se tornar mandatário do país (e, diga-se de passagem, é aparentemente pai de seis filhos gerados não pelo Espírito Santo).
Contudo, isso tampouco é apenas um sintoma do “atraso terceiro mundista”. A legislação espanhola, por exemplo, que determina a separação entre o estado e a igreja só entrou em vigor com a Constituição de 1978. Ainda assim, segundo o jornal El Pais, 144 milhões de euros (algo em torno de 380 milhões de reais) foram transferidos em 2006 do “Ministerio de Hacienda” espanhol para uma conta da Conferencia Episcopal destinada, entre outros gastos, ao pagamento de salário dos bispos.
Ninguém no mínimo de sua sobriedade se atreveria, então, a questionar o óbvio: a igreja católica ainda é uma poderosíssima potencia econômica, cultural e educativa e, inclusive, imobiliária.
Esse poder de facto se manifesta, por exemplo, na gestão de obras de caridade, serviços culturais, hospitalares e educativos onde a UCPel, no caso de Pelotas, é o mais destacado caso. A universidade, com importante papel social em toda a região, tem grandes dívidas e sofre críticas por, ao que parece, haver mantido uma administração a base de compadrerismos. O chanceler da UCPel, que é quem escolhe o reitor da instituição, é o bispo de Pelotas.
Mas um bispo em Pelotas também tem o poder de definir calendários de massa. A Romaria de Nossa Senhora de Guadalupe, que todos os anos leva milhares de pessoas até o santuário na Cascata, foi instituída pelo bispo demissionário, Dom Jaime Chemello. A santa mais importante do México começou a fazer-se popular na região de Pelotas depois que Dom Jaime participou de uma conferencia de bispos naquele país e decidiu “importá-la”, em 1979.
Em 2003, na 18ª edição da romaria, o agora novo bispo da cidade, Dom Jacinto Bergmann, participou das seis horas de caminhada sob chuva e muito barro que caracterizou o evento aquele ano. Acompanhei e conversei com ele – que na época atuava como bispo-auxiliar – durante todo o trajeto, numa reportagem para o Diário Popular. Bem-humorado, lembro que diante do enorme lamaçal no caminho, Dom Jacinto afirmou: “Eu gosto quando os desafios não são assim tão fáceis”. Palavras proféticas.
• Aleksander Aguilar é jornalista, vive em Londres e é mestre em Estudos Internacionais.
aleksaguilar@yahoo.com.br"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem pessoal, mesmo que suas opiniões sejam diferentes das minhas eles serão publicados. Só não pode comentário ofensivo, dedo no olho e mordida na orelha. Por favor assine seus comentários, não há porque ser anônimo quando se dá opinião. Comentários sem assinatura não serão publicados!