sexta-feira, janeiro 28, 2011

"Inimigo íntimo" ou "Dormindo com o inimigo"

Sempre fico muito chocada quando leio sobre casos de agressão, morte ou violência. Os casos que mais me chocam são aqueles regados a crueldade, os que acontecem sobre a tutela ou revelia do Estado, os que atacam diretamente as mulheres, as crianças e os idosos. Estes são os que me deixam destruída, pensando que tipo de criatura maltrata uma criança? Todos os outros crimes de violência, sejam eles individuais, sejam aqueles ocorridos em situações extremas (como as guerra) fazem com que o meu sentimento de estar num mundo que vai de mal a pior só aumente. É duro ler tantas notícias a respeito destas coisas. Mas não posso simplesmente virar as costas e hipocritamente, como já ouvi algumas vezes, dizer que as matérias me chocam tanto que não leio mais jornal ou assisto televisão. Me chocam, me machucam e me levam as lágrimas sim, mas faço o possível para que outras pessoas ao meu redor saibam que este tipo de coisa desumana acontece e que é nossa obrigação não permitir que continuem acontecendo. São elas também que não me permitem perder o poder de me indignar.
Eu tenho um grande problema para me manter calada! Aliás, quer me ver revoltada manda que eu fique quieta! Sei que há momentos em que devemos calar, e calo. Mas este momento não é diante de uma injustiça, de uma violência. Não é porque eu não assisto o telejornal que as barbaridades deixam de acontecer. Não é porque meu mundo é tão perfeito ou eu tenho tantos problemas que não posso me importar com um irmão que sofre. Eu tenho um grande problema para me manter calada sim, seja para falar coisas boas, rir e contar piadas, seja para criticar e questionar o que acontece.
Quis deixar isto pra lá, adormecido em algum lugar qualquer do meu ser, mas com o amadurecimento (e espero crescimento como ser humano e espiritual) percebi que não posso me eximir das minhas culpas e ficar, logo agora, calada diante de uma injustiça. Acredito que se as pessoas buscam ajuda junto a mim, mesmo que eu acredite não saber como ajudar, preciso fazer algo, nem que seja apenas escutar. Nunca ficar passiva. Confesso que na maioria das vezes (e estou trabalhando muito para mudar isto) me envolvo demais nos problemas dos outros. Perco sono, me angustio e me irrito demasiado. Desperdiço energia de forma descontrolada e fico com a carga ruim toda comigo. Já me aconselharam, como estou aprendendo a ser espírita*, entrar num grupo de trabalho e estudo da doutrina, coisa que estou determinada a fazer neste ano. Junto a isto também quero fazer um trabalho voluntário. Preciso me organizar e disciplinar, é verdade! Mas atualmente sinto-me um pouco mais... não sei se preparada é a palavra certa, talvez a expressão mais correta seja consciente. Desta forma poderei me dedicar de forma adequada, não só para as questões universais, espirituais, etc, mas as coisas no mundo, que quero sim, que seja melhor. Utopia???
Pode ser... Mas me comprometo a fazer a minha parte e prefiro tentar fazer o melhor.

Agora voltando ao tema que tanto tem me preocupado nos últimos dias... a violência doméstica me assusta bastante, principalmente quando vejo que tem muita gente que culpa a vítima pela agressão que sofre. Mesmo eu, ainda custo a compreender a passividade de algumas mulheres que sofrem violência. Sei que existe uma teia que acaba prendendo a mulher ao agressor. Percebo-a, mas meu coração tão rebelde, tão indignado quer que elas gritem e esperneiem, que vão a luta, fujam de casa, salvem os filhos, salvem suas próprias vidas. E me dói não compreender o medo que elas tanto sentem e o amor que elas tanto tem por estes homens que as agridem. Mas eu não acho que elas sejam culpadas, aliás isto é coisa que não me passa pela cabeça. A menos, claro, que a mulher me diga que no momento do sexo ela aceita tomar uns tapas! Daí sim, eu acho que não tem jeito! Até falei sobre isto aqui. O texto é pequeno até, em relação ao quanto sou prolixa e escrevo muito, mas transmite a ideia que tenho em relação a questão.

Digo que saber que mulheres são agredidas e violentadas diariamente me perturba muito. E passou a me incomodar ainda mais quando soube de amigas próximas que haviam sofrido agressões. Não sou capaz de olhar para qualquer um destes homens que cometeram violência sem sentir nojo! Cresce dentro de mim uma náusea que sob até a garganta, uma biles quente e amarga. E ver (um dos agressores eu conheço) a pessoa sorrindo e brincando é muito difícil.
O mais preocupante é a situação de uma guria que gosto muito, tem uma filhinha e hoje está morando longe dos pais. Ela foi embora, para outro estado, para viver com o pai da sua filha. As vezes até me sinto culpada, pois ela me falou sobre sua decisão e eu acreditei que era uma coisa boa eles viverem e criar a filha juntos. Logo que ela foi as coisas estavam ótimas. Ela sempre falava bem dele, que pagava pensão direitinho, que ligava pra saber da filha, ia visitar.
Um alarme piscou dentro de mim quando soube que ele era da polícia militar do lugar aonde elas foram morar. É sim, eu sempre digo que não tenho preconceitos e luto todo santo dia contra qualquer pensamento preconceituoso que possa invadir a minha mente, tal qual escreveu o Thiago neste post primoroso. No entanto, quando se trata de policiais e mais especificamente militares, eu tenho um pé (ou dois) atrás. Tento fazer algo para espantar o sentimento de que eles são pessoas bem mais violentas do que as outras e que muito disso vem do próprio trabalho. Não pensem que criei esta ideia da minha cabeça não! Tampouco que generalizo. O fato é que a grande maioria dos brigadianos (aqui no sul são a polícia mais conhecida) são pessoas truculentas. Não vou entrar no mérito da questão em relação aos PMs. Mas meu sexto sentido me indicou que algo não era assim tão cor de rosa como parecia com a minha amiga.
Fui percebendo alguns sinais que me alertaram. Primeiro uma discussão que ele teve com ela, por telefone, por estar utilizando o chip que havia comprado para falar com ele para falar comigo. Achei absurdo o bate-boca! Mas ela argumentou que gostava dele, que queria o melhor para a filha e iria tentar a vida com ele. A família dela em peso era contra a mudança, passou o último mês de gestação aqui e ficou até a filha completar um ano de idade. Na visão deles não havia necessidade de ir pra lá, ela estava bem aqui. Mas ela sentia-se obrigada a tentar pela filha, para quem quer o melhor.

Logo que minha amiga chegou na casa dele vez por outra nos falávamos por msn ou gtalk. Então ela começou a me perguntar como fazer para não salvar as conversas no msn e no gtalk, pois ele tinha a senha e lia as conversas dela com as amigas. Foi numa destas conversas que ela me falava sobre como ele era organizado e exigente e ficava irritado com a menina fazendo manha. Ele reclamava das coisas fora do lugar, de brinquedos espalhados pela casa e gritava com a criança, que perguntei se ele era violento. O que ela negou. Só que ele lia nossas conversas daí concluo que ela pode ter negado por isto.
Após ler a meu questionamento, mais tarde, ele perguntou se ela o achava violento. Ao que ela, querendo ser engraçada talvez respondeu com a boa e velha "dependendo do momento um tapa até pode ser bem vindo"!
É o que eu disse acima, para mim não é possível discernir e separar esta coisa de na cama pode tapa e fora da cama não pode. Como escrevi no post (com link lá em cima) sexo é pra ser feito com carinho e amor. Tudo bem, se a pessoa aceita algemas, cinta-liga e chicotes, quem sou eu pra julgar? Não estou julgando ninguém, apenas deixo claro que pra mim não serve. PRA MIM. Quem for chegado tudo bem! Também não tenho como discorrer a respeito do tema, pois não sou psicóloga, nem psiquiatra, não tenho conhecimento necessário para debater a respeito. Apenas exponho o que não gosto pra mim. Mas cada um com o seu fetiche!
É que no caso da minha amiga, que o comportamento dele vinha mudando e a violência vinha num crescendo, não me parece muito inteligente dizer que "dependendo do momento um tapa vem bem". Até porque não está especificado o momento de quem.

E para ela que reclamava que ele saia com os amigos e ela não podia, que ela trabalhava fora e ainda assim ele reclamava muito da casa não estar arrumada, que a comida era ruim, que ela mimava muito a filha e por aí ia... O que tinha ficado demonstrado (pra mim) é que ela tinha aceitado a posição de submissa. Ele mandava e ela obedecia. Bem desse jeito!
Tanto que mais tarde minha amiga também relatou que uma outra mulher, ex-namorada do dito cujo, estava grávida e que ele tinha outras mulheres e mais uma série de coisas. Ele não aceitava que ela se metesse na vida dele. É sim, ele tinha uma vida e ela não deveria interferir. O dever dela era cuidar dele e da casa, quanto ao que acontecia fora, não lhe dizia respeito.
Meu critério para que duas pessoas fiquem juntas é o amor e o respeito que cada um tem pelo outro. Me parece óbvio, não? Portanto, sempre que ela reclamava eu questionava se ela gostava dela e ela dele, como eram as outras coisas, se a ex-namorada interferia na vida dos dois. As respostas eram quase sempre as mesmas, ela gostava dele, ele dela, a ex não interferia, mas ela sentia ciúme do tratamento dispensado a outra e dos cuidados.  Isto até o dia em que ela me relatou que ele havia batido nela. Ela dizia-se envergonhada, que não tinha com quem conversar a respeito, que não sabia o que fazer. A declaração mais chocante foi dele para ela sobre a agressão, que para ele não havia ocorrido pois, nas palavras dele, "se ele tivesse realmente batido nela, ela estaria no hospital"!

Eu disse que ela fosse apresentar queixa e deixasse dele o quanto antes. Fiquei com medo. Mas... como disse não compreendo os motivos que prendem vítima e agressor na mesma teia, só sei que ela existe e é resistente. É preciso muita força para romper com ela. Passaram alguns meses, continuava existindo briga e aconteceu uma nova agressão. O outro filho  já tinha nascido e ele acompanhava a mãe e o bebê ao médico, pagava remédios, enfim... As brigas continuavam! Ela argumentava não ir fazer queixa por ele ser da polícia e que todos na cidade ficariam falando. Além dos bate bocas sempre havia a ameaça de que ele tiraria a filha dela. Com medo disso ela adiava sua separação dele. Mas ela me ligava e falava, queixava-se e eu sempre ia dizendo que ela precisava ir embora. Que esquecesse a vergonha, afinal de contas quem deveria sentir-se envergonhado ERA ELE.
Daí que na última ligação ela me contou que havia conversado com ele e voltaria para o sul. Estava apenas acertando as questões trabalhistas e logo viria.
 Não sei se ela está prestes a vir ou não. Não nos falamos mais desde este dia. Estou preocupada com a sua situação e de sua filha. Fico apreensiva pela falta de notícias e me angustia saber que, infelizmente, é conhecido o fato de que em algumas regiões do Brasil, inclusive a que ela está, acontecem muitos casos de violência doméstica. Tantas que algumas vezes não são nem noticiados como bem escreveu o psiquiatra,  poeta, escritor (e lindo) Jaime Vaz Brasil no texto "Dormindo com o inimigo"**, no Jornal Zero Hora do dia 16/09/2006. Inclusive neste texto ele fala sobre os sinais de alerta sobre a personalidade violenta.
Pesquisei o comentário na Internet, para poder postar o link, no entanto só o encontrei no blog Mme. Mean.

Desejo profundamente que minha amiga esteja bem e que a teia seja rompida de forma definitiva! Estou procurando contato com ela. Espero consegui-lo ainda hoje.

Agradeço a vocês que leram até aqui, pois o texto é realmente longo, mas não há como falar sobre a violência contra mulher sem se estender. É impossível pra mim dizer dos meus sentimentos de forma sintética. No comentário do post anterior a Livia destacou que as mudanças acontecem de forma lenta e muita coisa mudou. Mas ainda tem muito mais o que mudar. A violência, o preconceito parecem estar muito longe de nós porque recebemos as informações pelo jornal ou TV, a verdade é que ela pode estar muito mais próxima do que se pensa. Precisamos parar para observar.

*Estou aprendendo a ser espírita porque para isto é necessário uma grande reforma por dentro e por fora. Desprender de preconceitos, desapegar de coisas, não super valorizar pequenas coisas, aprender a mar... enfim... é uma caminhada. Não basta ir ao centro e tomar um passe para ser espírita. E não é tão somente pela questão espirita religiosa. Vai mais além. Creio que não seja possível ser um espírita, um católico-cristão, evangélico, umbandista, muçulmano, budista ou seja lá qual religião sem ser um SER HUMANO DE VERDADE, MELHOR, CARIDOSO, VERDADEIRO, BOM, JUSTO. Por isto digo que estou aprendendo, algumas vezes erro feio.

** Como não encontrei no link do jornal o texto do Jaime Vaz Brasil, copiei ele do blog Mme. Mean e colo ele aqui embaixo.

Dormindo com o inimigo.


(JAIME VAZ BRASIL in Zero Hora, 17.09.2006)

Até o momento, os indícios são de que o coronel Ubiratan Guimarães foi assassinado por sua ex-namorada. Situação rara, o homem vítima de crime passional. O contrário chega a ser tão corriqueiro, que pode até não dar notícia. Mas os números assustam: são mais de 2,5 mil mulheres mortas no Brasil, por ano, vitimadas por seus companheiros ou ex-companheiros. Mais de sete casos por dia. E a estatística contempla apenas casos comprovados.

Em que pese uma duvidosa paixão (do grego pathos: doença, sofrimento), a passionalidade da maioria desses crimes é premeditada e não deriva apenas - como se poderia pensar - de uma forte emoção momentânea. O homicida passional é geralmente narcisista. A raiz narc significa sono. Daí as palavras narcóticos e narcolepsia, por exemplo. Assim, o narcisista está enamorado de si e também "adormecido em si mesmo". Ao criar o próprio mundo fantasioso (sono para ele, pesadelo para ela), os regramentos desse mundo-umbigo trazem à tona o egocentrismo e os núcleos paranóides, expressos através do ciúme e condutas controladoras.

O perfil geralmente é de um homem com mais de 30 anos, ciumento ao extremo, possessivo e vaidoso. Não raro, está unido a uma mulher mais jovem. Se a paixão pode levar ao crime, é preciso entendê-la como a paixão-doença propriamente dita, com a carga de sofrimento inerente. (Lembremos que a paixão de Cristo significa o seu martírio.) Quando o potencial agressor se sente infidelizado ou abandonado, pouco importará se a infidelidade realmente aconteceu. Do mesmo modo que pensar-se apaixonado é o mesmo que estar apaixonado, pelo menos em atitudes.

O sentimento de abandono que é gerado pela separação pode, nesses caldos de cultura, ocasionar um movimento regressivo do psiquismo. Ou seja: o comportamento volta a ser regido com batutas de primeira infância, onde adormecer no colo da mãe representa - em tese - a maior das seguranças. Mas é exatamente lá que o abandono ilusório arma a trama e a cama do pesadelo: o bebê, ao não ver o rosto da mãe (ou cuidador) no seu campo visual, tende a ler isso como um abandono, pois não possui instrumentos psíquicos para compreender que o mundo existe além do que enxerga. Por isso, cria o seu próprio. E também com suas leis de sobrevivência, pois o bebê humano, se realmente abandonado, não sobrevive. A regressão do homicida chega a esse berço pré-verbal, e ali estende o lençol. Recria o mundo onde abandono e aniquilamento viram sinônimos. A sensação de ser destruído pelo abandonante está intimamente ligada aos crimes passionais. Assim, as reações às pequenas frustrações do cotidiano pode ser um preditor, como em uma regra de três: reagindo de tal forma em uma situação cotidiana simples, como agirá frente a um estressor real e maior?

Os homens agressivos e com maior ou menor potencial homicida costumam dar sinais deste comportamento com certa antecedência. Desde adolescentes. Por exemplo: um jovem acostumado a gritar com a própria mãe, como tratará a futura esposa? No mínimo, repetirá a conduta.

O aspecto machista não pode ser desconsiderado. Vale a lembrança de que Doca Street foi praticamente absolvido em seu primeiro julgamento (1979) e saiu do tribunal sob aplausos, pois a absurda tese da "legítima defesa da honra" saiu vencedora. Felizmente, pela última vez: a partir daquele caso esse tipo de tese não vingou mais. (E, no segundo julgamento, foi condenado.)

Ao contrário das mulheres das classes mais pobres, as de classe média ou alta não costumam acorrer na mesma proporção à delegacia da mulher, por dupla vergonha. Nisso, o fator financeiro também conta no par dominante-dominado: mulheres independentes tendem a tolerar menos as condutas agressivas e o ciúme exagerado.

Se, por um lado, o termo ciúme deriva de zelus, zelumen (zelo em si, cuidado), há que colocá-lo em um gradiente de quantidade. Como o fogo, pode ser muito útil ao homem, desde que na dose certa e com nosso controle sobre ele. Se o fogo assume o comando, o resultado é desastroso. O elemento é o mesmo, mas incêndio sempre é trágico, pois saímos de controladores para controlados.

Quando a mulher se encontra ameaçada pelo parceiro, não deve esperar passivamente que os atos agressivos se repitam. A cronicidade dos comportamentos violentos aumenta a chance de algo maior, ali adiante. É um indicador forte. Especialmente se acompanhado de ciúme exagerado e consumo de bebidas alcoólicas. Esse trio de fatores é de tirar o sono. Contudo, melhor perder o sono hoje do que a vida amanhã.

PS.: As imagens foram retiradas do google imagens.

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