terça-feira, janeiro 19, 2010

Carta aberta a Boris Casoy

Prezado senhor, Boris Casoy,
sei que já faz alguns dias que o senhor, muito arrogantemente ofendeu os garis dizendo que eles são a mais baixa classe de trabalhadores no Brasil. Sei também que o senhor desculpou-se. No entanto, senhor Boris gostaria de lhe contar uma história, que é muito diferente da sua que é filho de imigrantes, judeus russos. Sabemos que por aqui muitos imigrantes se deram bem, não vou cometer o mesmo erro do senhor, não se preocupe, muitos se deram bem a custa de muito trabalho e suor. Assim como outros se deram bem escravizando, vendendo escravos, colonizando.
O senhor teve uma vida muito diferente da que têm a maioria dos brasileiros, que lhe assistem no Jornal da Noite. O senhor estudou em boas escolas, adquiriu muita cultura. Mas apesar de superar uma poliomelite e o preconceito da doença não me parece ter se tornado mais humano ou humilde, pois crê que o fato de ser uma pessoa reconhecida nacionalmente o faz um ser melhor do que os garis, que limpam a sua e a minha sujeira pelas ruas das cidades.
Saiba senhor Boris, que o fato de ser um jornalista não lhe faz melhor do que ninguém. Pelo contrário, nossa profissão está mal vista por aí a fora e pessoas sensatas que conhecem a história do país e principalmente a política brasileira olham com desconfiança jornalistas "de primeira linha" como o senhor, como tantos outros, que apostam dizer a verdade e o que pensam. Mas que no fundo, bem lá no fundo, fazem o jogo dos patrões, dos que tem dinheiro ou daqueles que tem só pompa porque jogaram o dinheiro fora por não saberem o quanto custa ganhar.
A história que quero lhe contar senhor Boris é de um jovem que corria pelas ruas de uma cidade pequena juntando o lixo produzido pela população, num tempo em que a coleta era feita com carroças puxadas a burro. Esta história não é de ficção. Ao aprender a ler e fazer contas esta criança ouviu do pai que já não era mais necessário estudar. Segundo este cidadão saber ler e fazer contas eram suficientes para começar a trabalhar. Mas o senhor, seu Boris não sabe o que é isso, pois teve uma vida confortável no meio da sociedade quatrocentona.
No entanto, este lixeiro de quem lhe falo não ficou apático achando que era menos do que qualquer outra pessoa. Foi em busca do seu sonho, trabalhou muito em cada tempinho que tinha para adquirir seu pão e estudou para crescer profissionalmente. Concluiu seus estudos, fez um curso técnico em Contabilidade e passou num concurso público para trabalhar no setor financeiro da Prefeitura Municipal de Pelotas. Naquele setor pessoas que pensavam como o senhor, disseram, isto porque acreditavam, que ele não devia e não poderia assumir o cargo. Veja bem, "isto não é uma vergonha"? Um cidadão concursado não poder assumir o cargo para o qual estava habilitado pelo simples fato de estar num escalão mais baixo, por trabalhar anteriormente como lixeiro? Se não conhecesse bem esta história acharia que o senhor estava trabalhando lá naquele setor.
Mas com o apoio de pessoas decentes, éticas e corajosas ele assumiu. Não se acomodou como um funcionário público com estabilidade e um salário certo no final do mês. Pelo contrário continuou estudando, fez faculdade de Ciências Contábeis. E pagou por ela. Teve a coragem de pedir demissão do município, quando todos o que querem é a comodidade de ter um salário garantido e não ter que fazer muito esforço para isto.
Este moço que começou lixeiro, que fez muitas instalações elétricas para sustentar sua família é um profissional respeitado, dono de um escritório de contabilidade com mais de 15 anos no ramo. Foi presidente do sindicato dos contabilistas e pode entrar em qualquer lugar com a cabeça erguida porque veio de baixo sim, mas não precisou puxar o saco ou se submeter a maracutaias para chegar aonde chegou.
Este lixeiro senhor Boris Casoy é meu pai e tenho muito orgulho de ser filha de um ex-lixeiro, de alguém que lutou para se tornar um ótimo profissional, respeitado e ético. Num país onde muitos o que querem é levar vantagem histórias como estas em que as pessoas lutam e vencem com dignidade e respeito, sem dar rasteira em ninguém devem ser contadas. E vou lhe dizer mais, ao contrário da corrente que diz que no Brasil só tem safados e vigaristas, eu conheço pelo menos mais duas histórias de pessoas que vieram de baixo e venceram com honestidade.
Eu bem poderia dizer que não podemos confiar mesmo num senhor, que fez parte do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), que uma pessoa que apoia a direita desde os tempos da ditadura não é mesmo uma pessoa confiável. Afinal, veja o senador Sarney anos e anos no "puder" mandando e desmandando, agindo como se o senado fosse a sua casa e dela ele faz o que bem quer. Mas eu não vou fazer como o senhor, não vou lhe julgar por uma opção política. Mesmo sem concordar eu a respeito. No entanto, o respeito que eu tinha pelo profissional e pela pessoa que o senhor é... bem, este respeito eu não lhe tenho mais. A meu ver o senhor não fez um comentário infeliz, mas expôs grosseiramente a sua opinião sobres os mais pobres do nosso país, só faltou fazer como o personagem Justu Veríssimo, do Chico Anísio e responder para os garis que estavam desejando um feliz ano novo que eles se explodissem.
Espero realmente não ter-lhe tomado muito, do seu precioso tempo.
Atenciosamente,
a filha de um ex-lixeiro, atividade que mudou de nome e atualmente é chamada de Gari.

Fonte: as informações biográficas do jornalista Boris Casoy foram retiradas do Wikipédia.

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