Quando entrei na escola, em 1984, não me lembro de reinvindicações políticas, pelo contrário. O fato mais marcante desta época pra mim foi a professora da primeira série falando com a diretora do colégio sobre como seriam os jogos da copa, se iríamos assistir os jogos no colégio ou seríamos dispensados para assistir aos jogos da seleção em casa? A ditadura ainda estava em andamento, embora alguns exilados tivessem sido anistiados e muitas vozes clamassem pelas eleições diretas. Mas a eleição indireta para presidente só veio a acontecer em 1985, eleição de Tancredo e Sarney, dois representantes da situação, indicados pelos militares. Situação esta que apoiou o golpe militar. O Tancredo Neves (que não chegou a assumir e que a morte causou comoção no país inteiro) era um homem muito infiltrado no governo, desde a época do Getúlio Vargas. O Sarney era da UDN, hoje é do PMDB, e mantem-se nas entranhas do governo desde que me lembro de assistir jornal, de ouvir ou assistir telejornal. Resumindo... só o golpe completou 47 anos, calcule aí a quanto tempo Sarney está por aí infectando a política!
Ter nascido justamente neste período, sem ter podido atuar politicamente, por ser uma criança, talvez tenha me feito ter muita curiosidade por esta época. O resultado foi que, para matar a curiosidade, na faculdade comecei a estudar e pesquisar sobre a época. Cada vez que estudava e descobria mais coisas a baita indignação que sentia com todas as injustiças que continuam impunes até hoje só aumentavam.
Como acreditar no futuro de um país justo se coisas tão absurdas haviam acontecido com o consentimento do Estado em nome da tão suprema Segurança Nacional? Como ter esperanças na verdade, se políticos perseguidos, depois de eleitos em altos cargos continuavam mantendo os arquivos secretos, secretos e lacrados? De onde tirar esperanças na nação se centenas de desaparecidos continuavam e continuam desaparecidos e suas famílias seguem chorando sua ausência?
Quando comecei a pesquisar meu tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) escolhi a censura nos meios de comunicação para compreender quanto mal esta prática comum no período da Ditadura causou no período atual. Fui em busca de um orientador para o trabalho, o primeiro professor com quem conversei me desestimulou da pesquisa. Alegando que eu teria que brigar com muita gente e o melhor era não mexer no assunto. Seria isto já uma espécie de censura?????
Mas eu não desisti, procurei outro orientador. Não tive como entrevistar pessoas nos jornais, mas fiz uma revisão bibliográfica rica, e nestes livros e artigos que procurei jornalistas conhecidos assumiam as práticas de censura, sejam elas veladas ou instituídas pelo Estado. Colei grau muito feliz por ter conseguido saber um pouco mais sobre este período obscuro da nossa história. Mas continuei sem ter respostas para questões muito importantes, como o porquê não se abrem os arquivos? Porque os torturadores não foram punidos? Porque que com a anistia liberando das responsabilidades os torturadores os desaparecidos políticos não foram devolvidos a suas famílias? Porque não indicaram e exumaram os corpos sepultados em valas comuns em cemitérios clandestinos?
Fui pesquisar sobre a anistia, fui folhear jornais antigos na Bibliotheca Pública Pelotense para saber como tudo se deu aqui no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Pelotas. Minha orientadora foi a mestre Beatriz Ana Lonner, que em nenhum momento me disse que tal assunto não deveria ser abordado. Ela sempre incentivou inclusive após minha defesa, quando revelei que sentiria falta, ela disse temos o mestrado. Todo o estudo que fiz e continuo fazendo sobre o período da Ditadura Militar, todo o livro que leio a respeito me instigam mais a mente, criam mais dúvidas, alertam para questões que continuam sem respostas. Cada depoimento me mostra quanta crueldade aconteceu, quanta dor foi causada, e o quanto não sabemos de nada. Sabemos só o que querem que saibamos. De 1960 a 1980 a América Latina toda passou por este massacre, cada uma com seu ditador, cada ditador mais sanguinário. Todos ainda mantêm esqueletos nos armários. A diferença na nossa ditadura é que de tempos em tempos outro general assumia a Presidência da República. Vai ver é por isto que alguns reacionários dizem que não era ditadura, que houve democracia. Mas em verdade havia rotatividade de ditadores, mas o povo não tinha direito de opinar em nada. Quem exaltava sua voz, mesmo certo, mesmo tendo sido eleito por voto direto do povo era cassado, era preso, era expulso da sua terra, da sua casa e das suas famílias.
Continuo pesquisando, lendo, trocando informações com pessoas que, assim como eu, acham imprescindível que este período seja dissecado, que os fatos sejam esclarecidos, que os criminosos sejam responsabilizados. Não para que os que fizeram o certo recebam medalhas, não é pra isto. É para que o Brasil se torne realmente um país justo.
Para tal, é extremamente importante que museus e estudos como o Memorial da Resistência de São Paulo existam. É importante que jovens, crianças e adultos que viveram aquele período os visitem e saibam o que aconteceu e como. Caminhar naquele pátio estreito aonde os presos políticos tomavam sol faz com que a gente se transporte para o período. Senti um pouco de culpa por não ser mais ativa, por não cobrar mais. Pois no dia que visitei o Memorial, havia no saguão de entrada uma exposição fotográfica intitulada "Buena Memória". O fotógrafo Marcelo Brodsky produziu um ensaio fotográfico contando a sua história, de sua família, de seus colegas do Colegio Nacional de Buenos Aires. De uma forma muito bonita ele contou sobre a ausência, ou melhor, sobre a boa memória que guardava de seu irmão Fernando, preso e morto pela ditadura Argentina. Minha vida andou pelas mesmas ruas brasileiras aonde a Ditadura comandou o país por 21 anos. Mas em nada, absolutamente nada pode se assemelhar com a dor da ausência da qual sofre Marcelo. Nossa semelhança é ansiar pela verdade.
Caminhar pelas celas do memorial me fez ter uma vaga ideia do quão difícil devem ter sido os dias de cárcere naquele lugar. A única beleza que podemos perceber é a cela com o cravo vermelho. Sei que podem pensar como achar beleza numa cela escura, com portas pesadas e uma garrafa com um cravo de plástico? A beleza que percebi foi do amor, do idealismo, da coragem daqueles jovens que estiveram lá. A beleza está neles terem se mantido puros de espírito e coração. De terem se mantido fiéis as suas crenças, de conseguirem pensar nos que estavam nas celas ao lado mesmo tendo suas feridas para curar. Visitar as celas, ler a cronologia, assistir as imagens, ver as fotos choca e machuca. Mas nada emociona mais do que ouvir, no escuro, os relatos de quem esteve naquele cárcere. Óbvio que não foi possível conter minhas lágrimas depois de conhecer as histórias que Marcelo Brodsky contou com sua Buena Memoria. Claro que não foi possível escutar os sobreviventes daqueles porões contando o que sofreram entre aquelas paredes, a falta que fazem os que se foram como se nada daquilo fosse comigo. Porque é. Eu quero saber o que meu país fez com tantos de seus filhos em nome da sua segurança. Que segurança era esta?
É preciso desarquivar o Brasil! É importante que os crimes sejam esclarecidos e os culpados punidos. Presidenta Dilma, vamos começar o progresso e o desenvolvimento do país #desarquivandoBR.
Muito bom, Dani! Companheira na luta por memória!
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